“Rasgai o coração e não as vestes” (Jl. 2,13)
QUARESMA: tempo litúrgico forte de reconstrução de si e da comunidade; tempo que coloca em questão a razão de ser da vida – para que vivemos? qual a finalidade do ser humano? Sobre o quê está fundamentada a nossa vida? para onde caminhamos?
Nesse sentido dizemos que quaresma é um tempo forte de conversão; para isso ela tem sua linguagem, sua celebração, seus exercícios e seus ritos de conversão…
Na perspectiva inaciana, conversão não é simples mudança exterior no modo de ser e agir, mas “mu-dança de senhor”; quaresma é tempo de troca de comando, tempo forte para consultar o interior e verificar qual é o “senhor” que move o nosso coração. É neste contexto de conversão que se situam as práticas quaresmais: oração, jejum e esmola. Através de uma vivência mais radical dessas práticas começa a acontecer um deslocamento dos “falsos senhores” que habitam o nosso coração e, ao mesmo tempo, amplia-se o espaço interior para a presença e ação do “verdadeiro Senhor”.
A oração, o jejum e a esmola são como um resumo da vida cristã; condensam o sentido da vida. A vida é um mergulho no mistério de Deus (oração), um abrir-se aos outros (esmola) e capacidade de ordenar e dirigir a própria existência (jejum). Tais “exercícios quaresmais” só tem sentido se nos levam a uma identificação com Jesus Cristo; são exercícios que alimentam e sustentam nosso seguimento de Cristo.
E aqui poderíamos recuperar o sentido original bíblico de “sacrifício”, que não significa simplesmente imolação, destruição, penitêntica… “Sacri-ficar” (do latim, “sacrum facere” ) é “tornar santo”. Tanto o Primeiro como o Segundo Testamento nos ensinam que a melhor coisa que podemos transformar em “sacrifício”, em coisa santa para oferecer a Deus, é a própria vida e tudo o que fazemos. Nesse sentido, a referência máxima de “sacrifício” foi o próprio Jesus. Ele é o sacrifício, a “realidade santa” por excelên-cia, por sua verdade, sua fidelidade e disposição para fazer a Vontade do pai e exercer a sua missão.
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O que faz o sacrifício é a oblação, a entrega, deixar Deus ser Senhor da nossa vida.
1. ORAÇÃO: toda a nossa vida deveria ser uma oração, ou seja, um “encontro” com Deus em todas as coisas e em todas as circunstâncias.oração é passar do vazio de si à plenitude em Deus. O “sair de si mesmo” por meio de uma íntima relação pessoal com Deus é a dinâmica central da transformação do “eu” na vivência quaresmal.
“Cada um deve persuadir-se que na vida espiritual tanto mais aproveitará quanto mais sair do seu próprio amor, querer e interesse” ( S. Inácio – EE. 189).
A oração passa a ser a “irrupção” do divino no mais profundo do “eu” humano. Des-centrada de si mesma, a pessoa deixa-se conduzir pela ação providente de Deus.
Na quaresma, a Igreja evoca o Cristo em oração diante do Pai no deserto e nas montanhas.
Somos livres quando podemos nos dispôr de nós mesmos, ou seja, quando nos libertamos dos “afetos desor-denados”, dos apegos… O importante, no jejum, não é o que nós fazemos, mas o que Deus faz. Não estamos fazendo algo, mas estamos deixando-nos fazer por Deus. Na tradição dos Padres do Deserto, o jejum é o meio que nos possibilita criar um “espaço vazio” no qual o Espírito possa repousar, permitindo-nos distinguir o essencial do supérfluo.
Portanto, o jejum é um tempo em que damos maior liberdade a Deus para agir em nós, “ordenando” nossos afetos e orientando nossos impulsos instintivos. No seu relacionamento com a natureza criada o ser humano é chamado a ser livre, a ser senhor da criação. Por isso, a melhor penitência é “abrir espaço para Deus”; em outros termos, “jejuar é dar espaço para outras fomes” (N. Bonder).
O alimento e a bebida tornam-se símbolo de tudo quanto nos envolve. Porque é na ação do comer e do beber que o ser humano mais se apodera e apropria das coisas, correndo o risco de ser escravizado por elas. A atitude de liberdade diante do alimento torna-se símbolo de sua liberdade para com tudo quanto o envolve: bens materiais, poder, prazer absolutizado, idéias fechadas, uso do tempo, dos meios eletrônicos…
Durante o tempo quaresmal, corresponde a cada pessoa encontrar sua ascese, ou seja, encontrar a manei-ra de ir esvaziando-se, despojando-se, para deixar espaço aos outros e ao Outro e chegar a viver em “esta-do de união”.
É urgente fomentar uma “cultura da solidariedade, da comunhão, da partilha…”, se não queremos nos desumanizar e nem desumanizar o planeta.
A ascese nos capacita para sensibilidade cósmica; o ordenamento de nossos desejos nos permite escutar os desejos dos outros. Quanto mais vivemos em Deus, menos somos nós o centro, menos dependentes das coisas e mais receptivos aos outros.
Textos bíblicos: Mt. 6,1-6.16-18 Joel 2,12-18
Questões:
1 – Na oração: – qual é o seu estado de ânimo para viver a “travessia quaresmal”?
2 – Páscoa é passagem do “eu estreito” ao “eu expansivo e solidário”: quê setores de vida precisam passar por esta transformação?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Fonte: http://www.centroloyola.com.br/loyola/index.php/espaco-espiritual/184-quaresma-quem-e-o-senhor-que-move-o-meu-coracao.html